2024-02-13
Prof. Dra. Cláudia Loureiro
@prof.dra.claudia_loureiro
Assistente Graduada, Serviço de Pneumologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Professora Auxiliar Convidada, Faculty of Medicine of the University of Coimbra
Competência em Medicina do Sono
O sono é essencial para a saúde física e mental e regula praticamente todos os sistemas do nosso organismo. A sua perturbação pode acontecer em qualquer idade e, apesar do grande impacto que acarreta na qualidade de vida, muitas vezes não é valorizada pela pessoa qua sofre dessa perturbação.
Mas quais são as perturbações do sono mais comuns? Depende da idade, mas as mais frequentes são a insónia e a apneia obstrutiva do sono.
A insónia pode ser aguda ou crónica e caracteriza-se por uma dificuldade em iniciar o sono, manter o sono durante a noite ou acordar mais cedo que o desejado. É uma das doenças do sono mais frequentes e a sua prevalência aumenta com a idade e no género feminino. Traz por isso consequências para o desempenho do indivíduo durante o dia, muitas vezes acusando fadiga, alteração do humor, irritabilidade, cefaleia, depressão e alterações cognitivas.
A apneia obstrutiva do sono é outra perturbação frequente, caracterizada pela obstrução da via aérea superior durante o sono que resulta em pausas respiratórias ou diminuição do fluxo respiratório durante o sono. Quando acontecem, levam a baixas do oxigénio no sangue que podem condicionar despertares e libertação de hormonas de stress que colocam o indivíduo e os seus órgãos vitais sobre pressão. Estes eventos podem resultar em doenças como as arritmias, as tromboses e a hipertensão.
O que podemos fazer para melhorar a qualidade do nosso sono?
O primeiro passo é ter uma boa “higiene do sono” que assenta em:
- criar um quarto de dormir que induza o sono
- otimizar os horários de sono
- ter uma rotina adequada e consistente antes de ir para a cama
- promover hábitos durante o dia que induzam o sono na hora adequada para si.
Criar um quarto de dormir que induza o sono implica maximizar o conforto e minimizar distrações. Para isso tem de ter um colchão e uma almofada de acordo com a sua preferência e roupa de cama que mantenha uma temperatura confortável durante a noite. Deve evitar luz no quarto bem como o barulho (se não o conseguir eliminar pode mascará-lo com uma máquina de barulho branco). A temperatura do quarto deve rondar os 19º.
Otimizar os horários de sono é um passo crucial para dormir melhor e para isso deve definir um horário fixo para se deitar e levantar, mantendo-o em todos os dias da semana. Se possível, guarde também algum tempo para se “preparar para dormir”. Esse horário terá de ser ajustado conforme vai avançando na idade já que o ritmo circadiano (aquele em que as funções biológicas vão variando ao longo do dia) avança com a idade e há uma tendência biológica para adormecer mais cedo e levantar mais cedo. Nestas idades deve ter-se especial atenção às sestas: enquanto períodos curtos de sestas (20 minutos depois de almoço) podem ser benéficos, períodos mais longos e mais tarde no dia podem condicionar insónia inicial ou interromper o sono durante a noite.
Ter uma rotina adequada e consistente antes de ir para a cama é outra atitude que pode aumentar a qualidade do sono. Trinta minutos antes devemos ter um período de relaxamento com atividades como leitura, alongamentos de baixo impacto ou ouvir música relaxante. A exposição a luz, sobretudo a luz brilhante, deve ser evitada de forma a ajudar a produção da melatonina, uma hormona que promove o sono, devendo, então, “desligar-se” dos aparelhos eletrónicos na medida em que estar conectado e com exposição a luz do écran diminui a produção de melatonina e o “fear of missing out (FOMO)”, promovido pelo uso excessivo das redes sociais e dos canais de comunicação acarreta ansiedade na hora de dormir.
Promover hábitos durante o dia que induzam o sono na hora adequada para si: um deles é expor-se à luz solar durante a manhã (se não for possível a luz natural existe a opção da fototerapia), arranje tempo para fazer exercício mas não o faça perto da hora de dormir e monitorize os seus consumos de cafeína, sobretudo a partir da tarde (incluindo alguns chás e algumas bebidas refrigeradas). O consumo de álcool e de tabaco também diminui a qualidade do sono e deve ser evitado o seu consumo à noite e as refeições noturnas devem evitar alimentos picantes ou com elevada quantidade de gordura.
O que fazer se não consegue adormecer?
Se estiver mais do que 20 minutos na cama sem adormecer, levante-se para não criar uma conexão mental entre estar na cama e a frustração de não adormecer. Faça uma atividade relaxante, não verifique constantemente as horas e não se foque mentalmente na necessidade de ter de adormecer.
Se for uma situação frequente, deve fazer uma diário de sono para tentar identificar fatores que possam estar a perturbar o sono e procure um médico com competência em medicina do sono.
Que tratamentos podem ser oferecidos aos doentes com perturbações do sono?
Os tratamentos a oferecer podem ser muito diferentes consoante a perturbação do sono identificada, mas o plano inclui sempre uma boa “higiene do sono”.
Devem ser sempre abordadas outras doenças que muitas vezes coexistem e que podem até ser a causa principal do distúrbio do sono, como por exemplo, algumas doenças cardíacas e a obesidade. A obesidade moderada ou grave é um importante fator de risco, uma vez que é acompanhado por um aumento no tecido gordo em torno da garganta. Encontra-se em 60 e 90 % das pessoas com apneia obstrutiva e é o fator de risco mais comum em adultos. A intervenção com apoio nutricional diferenciado é por isso bastante importante.
Nos idosos há que identificar algumas condições frequentemente associadas, cujo tratamento deve ser otimizado, como é o caso da dor crónica, da nictúria (necessidade de urinar durante a noite) e do síndrome das pernas inquietas, cuja prevalência é elevada nesta faixa etária.
Concretamente, nos casos de insónia, a terapêutica cognitiva e comportamental, que engloba uma série de intervenções terapêuticas, deve ser primariamente oferecida, associada apenas se necessário a tratamento farmacológico. A terapêutica cognitiva comportamental é oferecida de forma individualizada e num número de sessões adequadas a cada caso.
Na apneia do sono, dependendo da sua gravidade, podem ter indicação para tratamentos específicos como:
- tratamento com pressão positiva na via aérea durante o sono (com um aparelho conhecido como CPAP ou APAP), que aplica uma pressão de ar na via aérea, através de uma máscara, impedindo a via respiratória de fechar durante os eventos respiratórios.
- tratamento posicional, quando os eventos respiratórios são obstrutivos e acontecem sobretudo na posição de barriga para cima.
- tratamento com dispositivos orais, como os mandibulares, em casos selecionados.
ndependentemente das estratégias utilizadas, é fundamental sensibilizar para a importância da qualidade do sono. Tendo o sono múltiplas funções, entre as quais otimizar a capacidade de efetuar tarefas, consolidar a memória e restaurar a capacidade cognitiva e emocional, a sua privação (aguda ou crónica), interfere no humor, na regulação do apetite, na capacidade de atenção e de trabalho, na regulação das defesas imunitárias e até nos sinais de envelhecimento (vários estudos científicos mostram que a restrição de sono afeta a aparência facial, torna as pessoas menos atrativas e com aparência menos saudável).
Por tudo isto, esteja alerta aos sinais e dê prioridade ao seu sono na rotina do dia-a-dia.